29 julho 2011

A meritocracia atrasando a inclusão

Pamela Marconatto Marques
Aluna dos cursos de Direito e Ciências Sociais da UFSM

Já dizia Ivor Morish em 1975 (ano de publicação de sua obra “Anomia”) que as velhas barreiras sociais estavam sendo substituídas pelas do "mérito". “A antiga elite, com a sua gravata com as cores da escola, pode ter desaparecido, mas está sendo firmemente substituída por uma nova elite cuja prescrição é o mérito” assegurava o sociólogo.
O princípio da Meritocracia, cujo cerne está contido na máxima “a cada um é dado o que merece”, serviu, ao longo da história, de respaldo à perpetuação da dominação e ainda hoje serve com excelência a esse fim.
Não me atrevo a negar a eficácia de tal método e nem a sutileza com que se vai instalando nas mentes que se deixam seduzir por sua cínica comodidade. Atribuir unicamente ao indivíduo suas conquistas e fracassos pode soar, afinal, perfeitamente coerente àqueles que se desejam ver livres de qualquer contribuição que não lhes aproveite e mais conveniente do que ter as oportunidades de um de seus herdeiros reduzidas em favor do filho da faxineira.
O que apraz às elites (que não necessitam de cotas que assegurem a vaga de seus descendentes), continua contando com teorias que lhes sustentem e justifiquem (Marx continua lamentavelmente atual).
Enquanto o mérito daqueles que puderam custear um ensino médio de excelência e um bom cursinho pré-vestibular vai sendo reconhecido, as crianças negras continuam sem referencial. O filho da faxineira não se identifica com figuras decisivas em sua formação: o professor que detém o saber e o médico, que detém a cura. Vai, assim, se contentando e quase se condicionando ao papel secundário que lhe foi reservado, na escola, no mercado de trabalho e na vida.
Talvez o sistema de cotas seja, realmente, apenas um paliativo que deve ser seguido por uma séria mudança nas bases do sistema educacional, que dê a todos o mesmo ponto de partida (já que a meritocracia não pode ser aplicada sem igualdade social). No entanto, a reforma impreterível deve ser feita na consciência social imperante. Aquela que se recusa a admitir-se preconceituosa, mas continua temendo um assalto ao depara-se com um negro em uma rua deserta em hora avançada da noite ou a aceitar o sucesso de um negro em áreas que não sejam o samba ou o futebol. Consciência que não liberta o negro de sua posição servil e o faz sentir oprimido, ainda que constitua metade da população nacional.
A adoção do sistema de cotas não vem restringir as possibilidades de alguns para beneficiar outros. Vem unicamente exercer sua finalidade constitucional: incluir aqueles que ficaram de fora na partilha do bolo, dispensando aos mesmos, tratamento desigual, eis que desigual é a sua situação, medida amplamente mais difícil e trabalhosa do que simplesmente ignorar a diversidade e confortavelmente nos recostarmos nas acomodações da alienação, munidos do discurso falacioso de que todos somos absolutamente iguais e continuamos recebendo exatamente aquilo que merecemos.
Defender cotas é contribuir para a implementação de um sistema onde todas mereçam dignidade e esta não seja privilégio alcançado “só pela graça de Deus”.*
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* Referência aos dizeres da faixa de aprovação de um aluno negro no vestibular da UFRGS

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